São Paulo | Lisboa

Sob Ataque

2019
Artes Visuais | Fotografia
O trabalho explora as tensões históricas que se acumulam e transformam a paisagem da zona central de São Paulo a partir de uma fotografia feita por Gustavo Prugner por ocasião da Revolução de 1924.

Conflitos, fluxos e ambiguidades
São virtualmente infinitos os pontos de partida possíveis para se fazer a leitura de um território, especialmente quando ele se situa em uma região historicamente tão complexa e de camadas tão ambíguas como é a zona central de São Paulo, onde convivem construções de épocas distantes e pessoas das mais variadas origens.

No parecer sobre o processo de tombamento do bairro dos Campos Elíseos, iniciado pelo Condephaat em 1986, o geógrafo Aziz Ab’Sáber escreveu que “todas as experiências na direção dessas ‘leituras’ implicam um esforço de percepção de fatos que dizem respeito, de modo integrado e indivisível, ao sítio, à planta, aos volumes construídos e às gerações de homens que se sucederam no interior das moradias e nos fluxos humanos das ruas e praças.”

O que propomos nesta exposição é agregar, de forma bastante desprendida, mais uma camada ao caleidoscópio de olhares que se sedimentam sobre essa geografia: a camada do conflito. Como ponto de partida, escolhemos uma fotografia feita por Gustavo Prugner em 1924: um cartão postal cuja edição original aqui exposta foi gentilmente cedida pelo Instituto Moreira Salles. A imagem mostra dois homens, um negro e um branco, que conversam diante de uma casa despedaçada, com parte da estrutura à mostra. O imóvel, como lemos na legenda do autor, sofreu o “efeito de uma bomba” na Revolução de 5 de julho. A casa atingida pela explosão localizava-se, diz Prugner, na Rua Helvetia, número 2.

Sobre o que falam os dois homens de uma geração há muito sucedida, podemos apenas especular, mas é bastante provável que discutissem o então recente levante tenentista em São Paulo e a reação desmedida das tropas que se mantiveram fiéis ao governo. Em resposta à “mazorca” que tomou os quartéis e atacou o Palácio dos Campos Elíseos, sede da administração estadual, o governo paulista empreendeu um “bombardeio terrificante” que atingiu não apenas o epicentro da revolta, mas a cidade inteira, despejando sobre a população civil granadas, canhões e ataques aéreos. Em uma frase, Carlos de Campos, então Presidente do Estado (cargo que corresponde hoje ao de governador), resumiu os motivos por trás da operação: “São Paulo prefere ver destruída sua formosa capital antes de destruída a legalidade no Brasil.”

Talvez a camada do conflito, como a pensamos aqui, represente uma leitura possível daqueles fluxos humanos citados por Ab’Sáber. Não à toa, fluxo é também o termo que dá nome à concentração fluida de pessoas e mercadorias, parte delas ilícitas, que hoje movimenta o entorno da antiga casa despedaçada, cujo terreno abriga um estacionamento, símbolo contraditório do dinamismo paulistano. Um território cujo apelido pejorativo e estigmatizante — cracolândia — disfarça a complexidade das relações e dos conflitos que se entrelaçam no tempo e no espaço, confinando-as a uma leitura presumidamente unívoca.

No início do século XX, uma bomba explodiu na Rua Helvetia, número 2. Vinte e três dias depois, os jornais comemoravam a “vitória da legalidade” e o “sufoco da revolução”. Passaram-se quase cem anos. Sob a justificativa de conter os fluxos e manter vigente a legalidade, muitas outras bombas, reais e simbólicas, têm explodido sobre aquele epicentro, atingindo principalmente os mais vulneráveis.

Sob Ataque parte de estratégias que colocam em contato registros fotojornalísticos contemporâneos e imagens documentais vindas de diferentes acervos históricos, como os do Instituto Moreira Salles, da Fundação Energia e Saneamento e da própria Casa da Imagem, espaço público e central que recebe essa exposição. De outro lado, o trabalho recorre ao artifício, à ignição inventiva sobre o território, propondo um olhar ambíguo, dialético sobre essas explosões que, ao longo do tempo, moldaram e moldam não apenas a geografia do território, mas também as suas dinâmicas históricas e sociais.

Coletivo Garapa

Ficha técnica


  • Criação e concepção: Garapa
  • Assistência de produção: Gideoni Júnior
  • Efeitos especiais: Gatti FX
  • Preparação de arquivos: Marcelo Biscola
  • Identidade visual: Milena Galli
  • Impressão fotográfica: Ivan Padovani e Insign Fabricação Digital
  • Adesivação e suportes: Marton Estúdio
  • Montagem: Cícero Bibiano
  • Preparação do espaço: Fernando Brigadeiro (Buda)
  • Assessoria de imprensa: Baobá Comunicação
  • Imagens de arquivo: Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo, Folhapress, Fundação Energia e Saneamento, Instituto Moreira Salles, Goma Oficina
  • Agradecimentos: Henrique Siqueira e Mônica Caldiron (Casa da Imagem), Thea Severino (Folha de S. Paulo), Folhapress, Danilo Verpa, Eduardo Anizelli, Eduardo Carmin, Fernando Banzi (Goma Oficina), Leo Caobelli, Arthur Zanella, Simone Gatti (LabCidade/FAUUSP), Fórum Mundaréu da Luz, Ana Silvia Forgiarini, Diego Lajst, Fausto Chermont, Cíntia Sanchez, Fernando Sciarra.

Exibições


2022

  • Instituto Pavão Cultural - Campinas - SP

2020

  • Pequeno Encontro da Fotografia (online)
  • Salão de Artes Visuais de Vinhedo - SP
  • FIF-BH - Festival Internacional de Fotografia de Belo Horizonte - MG

2019

  • Casa da Imagem - Museu da Cidade de São Paulo - SP