Texto elaborado para a exposição Laberinto de Miradas (2009)
Em pleno centro da cidade de São Paulo, incrustados em uma área que reúne, ao mesmo tempo, prédios históricos e áreas extremamente degradadas, estão os edifícios vizinhos Mercúrio e São Vito. A região, que no começo do século XX chegou a ser uma das áreas nobres da cidade, hoje é pouco habitada e tem um considerável índice de criminalidade. Erguidos em 1959, os dois prédios totalizam uma área de 9 mil metros quadrados, com 768 unidades habitacionais.
Durante 40 anos, os prédios serviram de moradia para trabalhadores da região central, que optaram por morar perto de seus empregos, reduzindo assim custos e tempo de deslocamento. O processo de deterioração da região, que teve seu ápice entre as décadas de 80 e 90, não poupou os edifícios, que passaram por um visível processo de degradação.
Em 2004, a Prefeitura de São Paulo promoveu a desocupação do São Vito, cadastrando proprietários e inquilinos com a promessa da recuperação e reforma do prédio popularmente conhecido como Treme-Treme.
Com a mudança na gestão municipal, o projeto de reforma foi abandonado, e passou então a ganhar força a proposta de demolição dos prédios para posterior ampliação e revitalização do parque vizinho.
A implosão do São Vito e do Mercúrio é questionada por técnicos, urbanistas e entidades ligadas ao tema da habitação, tanto por colocar em risco a estrutura do Mercado Municipal, prédio tombado pelo patrimônio e situado em frente aos edifícios, quanto pela destruição de vagas de moradia. Apesar das críticas, no final de 2008, foi iniciado o processo de desocupação do Mercúrio.
No dia 01 de dezembro de 2008, aproximadamente 50 guardas civis metropolitanos subiram os 24 andares do edifício colando ordens de despejo em cada um dos 6 apartamentos que compõem cada andar. Assistentes sociais informavam os moradores de que eles tinham duas semanas para deixar os apartamentos. Caso desobedecessem, teriam seus pertences colocados na rua.
Foi em meio a esse clima de tensão e expectativa que conhecemos um pouco das 34 famílias que ficaram no edifício após o prazo dado pela prefeitura.
Dona Selma, Cláudia, Maria, Lili, Joyce e tantos outros (a maioria mulheres) foram contando as suas histórias, muitas delas vividas dentro do edifício. Deram, assim, a sua perspectiva de moradia, questionando enfim a destruição de quase 800 apartamentos em uma cidade marcada por um imenso déficit habitacional.
A resistência, porém, não durou muito. Menos de dois meses após o prazo estipulado pela prefeitura, na manhã de 11/02, as famílias amanheceram novamente com a presença da polícia e, no espaço de 12 horas, o prédio foi desocupado e totalmente lacrado.
Algumas famílias conseguiram alugar apartamentos às pressas; outras estão em casas de amigos e parentes. Já os 144 apartamentos do Mercúrio começam a trilhar o mesmo caminho das 624 unidades do São Vito: mobílias que não puderam ser transportadas, objetos que se perderam pelo chão, lembranças deixadas pra trás do que um dia já foi mais vivo.