Vertigem

“Fiquei maravilhado da beleza dos sítios que fui atravessando. Não me fartava de admirar as margens do rio, a superfície calma das águas, os maciços de mangues, que por toda a parte surgem no meio da corrente e se alinham nas bordas, o cantar dos pássaros do país, tão novo para mim; tudo concorria para mergulhar-me a alma em doce melancolia.”
Hércules Florence, Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829.

Um rio são muitos rios

Para se contar a história, ou pelo menos algumas histórias de um rio, é preciso incorporar o balanço, a fluidez, o insondável, e saber que entre uma margem e outra as águas não correm para uma única direção: elas deslizam entre fatos e fábulas, lugares atemporais e vestígios, e por uma intrincada justaposição de tempos e espaços. (Eder Chiodetto)

Escala cromática

“O olhar não se cansa de admirar as cores várias que de todos os lados o embelezam: aqui é uma verdejante várzea; ali fica o cerrado com suas árvores baixinhas e engorovinhadas; adiante se alarga um campo de macega mais alta que um homem e de um colorido puxando a amarelo pardacento. Muitas vezes grandes áreas de terreno, colinas inteiras, apresentam um aspecto sombrio e negrejante: é que por ali passou uma chama devoradora, ateada pelo viajante. Os troncos ficam então despidos de folhas, requeimados pelo incêndio. Se, porém, medeiam quinze dias ou um mês, arrebenta viçosa verdura naquele fundo lúgubre e acinzentado.”
Hércules Florence, Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829.

Avanhandava

“Amanhecendo este dia, seguimos nossa viagem pelas oito horas e meia da manhã, e fomos procurar o grande, o perigoso salto de Avanhandava, que quer dizer em português onde correm os homens, e acima dele na distância de cem braças embicaram as canoas em terra com muito risco, porque as águas neste lugar puxam com tal violência para se despenharem por este salto abaixo, que escapando por ele nunca mais se viu, nem gente, nem a mesma embarcação que escapar […].”
Teotônio Juzarte, Diário da Navegação.

Três irmãos

“[…] tem embaixo, onde as águas se ajuntam, um grande lago, o que é impenetrável pelos grandes redemoinhos e ondas que metem medo, sua altura é grande, tem no meio deste lago três montes emparelhados, que parecem três pirâmides, ou penínsulas, e estas cheias de ervas e suas árvores que fazem uma agradável vista; neste grandioso lago se pescam grandes dourados, pacus e outros peixes, aqui gastamos todo este dia e a noite de seis para sete de maio.”
Teotônio Juzarte, Diário da Navegação.

A Margem

“O aspecto das margens continua sempre o mesmo. São por toda a parte cobertas de mato alto, denso e sem interrupção. As árvores de tamanho notável são frequentes. As figueiras tomam até grandes proporções, estendendo horizontalmente, como que em latadas, um plano paralelo à superfície das águas de ramos e galhos, no qual é raro ver-se uma folha mais inclinada que outra.”
Hércules Florence, Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829.

A Margem

No escorregar das águas sobre a terra, a margem, essa linha conceitual, se esforça em demarcar separações. Em vão, mal sabe: que há tempos de estiagem e de tormenta, altas e baixas marés; que há o balançar mesmo das ondas, arrancando aqui nacos de terra, plantas, para depositá-los milhas acolá; há o ser homem, em seu intento contínuo de domesticar, em concreto e palavras (represar, retificar, eclusar), o que é natural. E há, sobretudo, o tempo – a história.